sábado, 4 de fevereiro de 2023


Rodrigues Nogueira

Origens

      Aqueles que pertencem à nossa numerosa família Nogueira, sempre demonstraram a curiosidade por saber as origens de tantos personagens interessantes que se ouvia falar quando nos reuníamos em algum evento, festivo ou não. Entretanto eram poucas as novidades acerca dos mais antigos, anteriores aos nossos próprios avós. Que tínhamos no “Velho Mundo Lusitano” as primeiras raízes, não tínhamos dúvida, mas quem eram, de onde eram, como vieram parar no Brasil, ou quando, se constituíam perguntas com poucas ou quase nenhuma resposta.

     Tratamos agora das origens dos Rodrigues Nogueira desde o mais remoto documento virtualmente disponível em Portugal e, por fim, dos Nogueira na Bahia, mais precisamente na Cidade do Salvador e em Serrinha. Tais documentos estão sendo preservados em arquivos digitalizados cujo acesso tem sido liberado pelas instituições que os detêm. 

   Embora em nossa busca pelas raízes dos Nogueira tenhamos como fonte principal e mais contemporânea a Cidade do Porto e nela a freguesia de Cedofeita como principal lugar onde surgem os Rodrigues e os Moura, aqueles que iriam resultar em nossa própria origem, foi na pequena Abaças, mencionada no registro do nascimento de Antonio Rodrigues Nogueira como sendo o lugar de origem de seu pai, nos mais remotos assentamentos da Igreja de São Pedro, personagens que acabariam por fazer parte de nossa história.

     Mais uma vez, pesquisando em antiogos livros, desde os de matrimônios, batismos e óbitos, desta vez acontecidos na Igreja de São Pedro de Abaças a partir te 1593, fomos encontrando aqueles cujos nomes são mencionados nos primeiros documentos de seus descentendes.

     Detalhe do registro de nascimento em 10 de março de 1762 de Antonio “Rodrigues” onde se lê claramente: “Antonio filho legítimo de José Rodrigues, natural da freguesia de Sam Pedro de Abaças, comarca de Villa Real e de sua mulher Joanna Maria da Silva desta freguesia (no caso Cedofeita) ...” e segue mencionando ser ele “neto pela parte paterna de Antonio Rodrigues e de sua mulher Maria Lourença de Moura, naturais da sobredita freguesia de São Pedro de Abaças ”.

     São documentos semelhantes a esse, que aos poucos e com bastante precisão, vão formando a linha familiar de nossa descendência a partir daqueles que um dia viveram nessa região de Portugal. Na sequência, outros dois dos mais importantes documentos foram localizados. O primeiro refere-se ao registro do nascimento no dia 17 de outubro de 1779 de dona Antonia Luiza, a mãe de nosso Antonio “Figura”, enquanto que o segundo se trata do registro de casamento do casal, o qual está de acordo no referente à sua filiação.

Registro do batizado de dona Antonia Luiza que transcrevemos abaixo.

 Antonia – Filha legítima de João Gonçalves natural do Valle, freguesia de Paranhos e de sua mulher Antonia Luiza de Aguiar natural da Nogueira desta freguesia e aí moradores, neta paterna de João Gonçalves e de sua mulher Maria Martins também de Paranhos, materna de José Alves Nogueira e de sua mulher Anna Luiza de Aguiar também da Nogueira. Nasceu aos dezessete dias do mês de outubro de mil setecentos e setenta e nove e foi batizada nesta Paroquial Igreja da Cedofeita por mim o Pároco Manoel Pereira aos vinte e quatro dias do dito mês, sendo padrinhos João da Sylva de Paranhos e Anna Luiza filha de Antonio de Souza da Rua das Hortas desta cidade e testemunhas o Procurador Antonio José da Costa e Francisco José da Sylva da Ribeira desta freguesia. E para que conste mandei fazer este assento que assinei.          Padre Manoel Pereira. ”

     A seguir temos o segundo documento que, embora tenha sido bastante difícil a leitura, vai nos revelar quando, como e onde se realizou a cerimônia de casamento de Antonio e dona Antonia Luiza. Certamente foi um dos achados mais preciosos, afinal nos leva ao momento em que a união dessas duas pessoas no alvorecer do séc. XIX, iria tornar possível nossa própria existência. É desse modo que vejo. É neles que está a raiz da bela Nogueira que frutificaria bem longe dali.

Registro do casamento de Antonio “escrivão” e dona Antonia Luiza – 20/03/1806

  “Antonio Roiz Nogueira - Com Antonia Luiza - Aos vinte de março do ano de mil oito centos e seis, pelo meio dia, pouco mais ou menos, feitas as denunciações necessárias na forma do Concilis e Constituições deste Bispado, nesta paroquial Igreja de Cedofeita na presença de mim Pároco Manoel Pereira e das testemunhas abaixo assinadas, receberão solenemente em face da mesma Igreja sem se descobrir impedimento algum, Antonio Rodrigues Nogueira, filho legítimo de José Rodrigues e mulher Joanna Maria neto paterno de Antonio Rodrigues e mulher Maria Lourença de Moura e materno de Domingos Leite e mulher Águeda Maria desta freguesia de Cedofeita, o contraente viúvo que ficara de Anna Luiza filha legítima de João Gonçalves e Antonia Luiza desta mesma freguesia: com Antonia Luiza filha legítima de João Gonçalves da freguesia de Paranhos desta Comarca e de Antonia Luiza; neta paterna de José Gonçalves e mulher Maria Martins desta freguesia de Paranhos, e materna de José Alves e mulher Anna Luiza [...] Mathozinhos. Testemunhas o procurador José Bernardes e Braz Antonio Teixeira [...]ambos desta freguesia [...] mandei fazer este assento que assinei.                            O Pár. Manoel Pereira”.

     Por fim, em conformidade com as informações que até agora conseguimos, nos mais diversos registros localizados e cuidadosamente analisados, pudemos construir com a máxima segurança as primeiras linhas de sucessão genealógica dos Rodrigues Nogueira que se originariam na Cidade do Salvador capital da Bahia, a partir dos personagens mais remotos que nos antecederam e que finalmente são de nosso conhecimento.



         Dos filhos de Antonio Roiz. Nogueira e dona Antonia Luiza, é aquele que leva por completo o nome do pai que segue para a Bahia em 1832 e lá constitui família, ao se casar em 29 de maio de 1847, com dona Maria José de Carvalho, filha de José Pereira de Carvalho e sua mulher D. Alexandrina Ponciana Pereira de Carvalho, ele português e ela natural da Bahia. O casal teve ao todo quinze filhos, dentre os quais Antonio Rodrigues Nogueira, nascido em 21/03/1852 (o filho que se radicou em Serrinha casando com dona Miquelina Carneiro Ribeiro - 07/07/1857-05/12/1920), falecido em 15/07/1934. Deles resultou a família Rodrigues Nogueira objeto desta nova postagem em meu blog, complementando aquela feita em dezembro de 2010, intitulada "Os Nogueira de Serrinha - Bahia".




 








quinta-feira, 30 de setembro de 2021

 

Padre Cupertino do Catú.



        José de Cupertino e Araújo Lima era o seu nome por completo.

     Em todas as famílias encontramos personagens que, de uma maneira ou de outra, são lembrados apenas por determinados detalhes que nada, ou quase nada, dizem a respeito dele, por exemplo:  Entre os Nogueira de Serrinha, houve um médico que por suas excentricidades somente era lembrado pelo fato de que, “subia de costas a ladeira da Bela Vista” que o levava até a belíssima chácara que possuía. Desse modo e apenas com base nesse fato, as gerações que o precederam o conheciam, ignorando por completo o grande homem que fora o Dr. Miguel Nogueira, seus feitos e tão forte quanto marcante personalidade. Assim como ele, outros personagens foram sendo apresentados aos que chegavam e dessa maneira uma história de família ia sendo escrita.

     Uma outra figura marcante e cuja “fama” até os dias atuais (2021) tiveram sua lembrança atrelada a um curioso e até lendário feito, foi aquele que se conhecia apenas como “o padre Cupertino de Catú”.

Vila de Sant'Anna do Catu em óleo ded José Rosário

     Padre Cupertino estava ligado aos Nogueira de Serrinha na Bahia, por ser tio de Áurea Hermínia casada com Luiz Nogueira, filha de sua irmã Maria Hermínia que era conhecida como Sinhália, e que havia sido levada por ele, ainda pré-adolescente, para ser educada e dar à essa sobrinha instrução, pois seu tio padre mantinha uma instituição religiosa de ensino na cidade de Catú. Porém, a lembrança mais marcante que deixara esse personagem na família era a de que naquela pequena cidade baiana, “padre Cupertino tinha muitos filhos”Assim sendo, como fizemos com outras figuras relacionadas com nossa família, vamos conhecer melhor essa história e lhe dar uma versão mais coerente e verdadeira sobre o reverendo padre José de Cupertino e Araújo Lima.

     Pertencia padre Cupertino à quinta geração de serrinhenses natos e descendente do próprio Bernardo da Silva e dona Maria do Sacramento, fundadores de Serrinha dos quais era tetraneto. Pelo lado paterno era neto de dona Rosa Maria de Lima (bisneta de Bernardo da Silva) e de Francisco Joaquim de Araújo, casados em outubro de 1821 e que tiveram a cinco filhos. Como vemos, dessa prole surgiriam em Serrinha os Araújo. Pelo lado materno era neto do português Manoel José Pinto, que morava na então “Vila de Cachoeira”, palco principal da resistência dos últimos redutos das forças portuguesas, que se recusavam a aceitar a independência brasileira de Portugal que levariam a região a ser o centro das lutas pela confirmação definitiva daquela proclamação.

     Manoel José Pinto, justamente por ser conhecido monarquista, se viu obrigado a sair de Cachoeira em virtude dos acontecimentos que iriam se suceder na Bahia, após o sete de setembro de 1822, culminando com a chamada “Independência da Bahia” no dia dois de julho de 1823. Em Serrinha, para onde se mudou como toda a família antes disso, o avô do padre Cupertino encontrou abrigo entre os conterrâneos que lá estavam há muito tempo. Ele se casa em 04/09/1827, com dona Bernarda Archanja Moreira, falecida em 28 de maio de 1871. Eram os pais do padre Cupertino, o capitão José Joaquim de Araújo e sua primeira mulher dona Antonia Clementina Moreira Pinto que, além dele, geraram a mais oito filhos:

JOSÉ JOAQUIM DE ARAÚJO – (01/05/1831-24/12/1909)
ANTONIA CLEMENTINA – (xx/xx/1833 – 28/05/1871)
1-José de Cupertino e Araújo Lima (12/09/1858-25/11/1930).
2-Cecília Lima Araújo a Dadete. (20/11/1859)
3-Maria – (17/09/1861 – 23/09/1861)
4-Maria Hermínia de Araújo a Sinhá Lia (01/09/1862-xx/xx/xxxx),
    casada com Synphrônio Cardoso Ribeiro.
5-Reginaldo Cyrilo de Araújo (28/01/1865- morreu jovem vítima de febre
    amarela em 1877 enquanto aluno no Atheneu Bahiano).
6-Laudelina Cândida Araújo a Sinhá Dona (22/04/1866).
7-Antonio – (março 1868 e falecido em 05/06/1868)
8-Antonio José de Araújo (08/05/1869-xx/xx/1960). Foi o primeiro
    serrinhense formado em Direito, em Recife, ilustre jurista era Titular
    do Cartório de Ofício, e em 1926 escreve o primeiro livro sobre
    as famílias de Serrinha, tendo como base escritos do irmão Cupertino.
    Casou em 08/12/1892, com dona Guilhermina de Castro Araújo.
9-Joaquim José de Araújo (24/08/1870 -também morto pela febre em
    Serrinha 11/01/1886) 

        Portanto, como sabemos, o primogênito da família Araújo nascido em Serrinha, viria se dedicar ao sacerdócio. As primeiras letras foram adquiridas de maneira informal, pois sua cidade ainda não possuía o ensino regular que somente anos mais tarde seria implementado, tendo como primeira professora oficialmente formada justamente aquela sua sobrinha Áurea Hermínia que ajudara a educar.

     Recentemente, graças a nosso primo José Mota da Silva Filho que nos deu a conhecer detalhes sobre padre Cupertino em leitura que fez em um antigo jornal serrinhense, sobre determinado detalhe que lhe chamou a atenção, decidimos dar sequência às informações contidas naquele jornal e empreender uma busca em outras fontes para tentar saber um pouco mais sobre quem fora esse personagem tão comentado e muito pouco conhecido de nossa família.

                                                   Maria Hermínia e a jovem Áurea - 1892

     Inicialmente e de acordo com o que nos mostrou seu obituário, publicado no jornal "O Serrinhense" na edição de 30 de novembro de 1930, jornal esse crior ado pseu sobrinho Reginaldo Cardoso Ribeiro, ficamos sabendo que ainda jovem Cupertino é mandado para estudar na capital no “Collegio Atheneu Bahiano", situado à Calçada do Bonfim nº 177, em regime de internato. Dirigido em sua criação pelo reverendíssimo padre-mestre dr. Urbano da Silva Monte, como nos mostra essa publicação no jornal Correio da Bahia em fevereiro de 1874, esse colégio somente aceitava alunos até a idade de 14 anos.

 

     À época em que foi matriculado, em 1870, contando apenas 12 anos de idade, esse colégio estava sob a direção do padre José Alves Martins do Loreto que, também de acordo com o mesmo obituário, seria conterrâneo dos pais do jovem Cupertino e bastante conhecido das famílias serrinhenses. Após completar os estudos ditos “preliminares”, em 1876 o jovem dá continuidade aos estudos e aos 18 anos de idade, já direcionados para a formação eclesiástica, se matricula no Seminário Grande da Bahia, vindo daí sua esmerada cultura.

     Embora tenha concluído seu curso em 1880, sua ordenação se daria apenas em 1883, quando completava 21 anos de idade. Nessa mesma época foi designado e nomeado pelo comendador José Augusto de Figueiredo, como Reitor dos Órphãos de São Joaquim, instituição de acolhimento de carentes cujas instalações ainda existe nos dias atuais. Tão logo iniciou nesse cargo, organizou as festividades de comemoração de mais um aniversário do denominado “Asilo de Expostos” que teve a presença das mais altas autoridades baianas e também do provedor da Santa Casa da Misericórdia, o então Conde Joaquim Pereira Marinho.

     Permaneceu nesse cargo mesmo após ter recebido sua ordenação, até ser eleito deputado provincial para o biênio 1886 e 1887. Ao fim do segundo mandato como deputado provincial, em 1887 é nomeado “vigário encomendado” do município do Catú na freguesia de Sant’Anna. Nesse meio tempo também acaba sendo reeleito em 1888 como deputado provincial.

   Politicamente estava filiado ao Partido Conservador, mantendo-se nessa posição durante o Brasil Imperial e posteriormente no regime republicano. Na publicação do “Almanach Litterário” de 1888, lá está ainda sendo apontado como Reitor dos Órfãos de S. Joaquim.

   Sua ideologia o manteve fiel à defesa dos interesses de Catú, onde sua contribuição para o bem-estar da população daquele pequeno município baiano seria mais tarde reconhecida com a homenagem de seu nome sendo colocado à mais importante avenida da cidade, a mesma que por várias vezes circulou até a igreja onde realizava seus cultos religiosos.

Avenida Padre Cupertino.

   A história da Igreja Matriz em Catú está diretamente relacionada com padre Cupertino, pois conforme o que diz a nota de uma publicação que circulava na capital baiana e seus municípios, a conclusão da obra de construção foi graças à intervenção dele junto às autoridades do estado da Bahia.

 Os “Filhos” do Padre Cupertino

    Em nossa história, contemporânea ou de séculos passados, sempre se ouviu o comentário de que alguns padres tiveram com alguma fiel, civil ou também religiosa, filhos biológicos o que contrariava a exigência disciplinar da igreja de que o sacerdote tinha como dever manter o celibato.

Casa Pia dos Órphãos de São Joaquim.

     Entretanto, no caso específico do reverendo padre Cupertino, eram feitos comentários mencionando que ele teria muitos filhos em Catú, com claro fundo pilhérico e de alguma maldade, principalmente por aqueles seus conterrâneos que o tinham como adversário político. Mais uma vez, de acordo com o que consta em seu obituário, das homenagens póstumas que lhe foram feitas por parentes e amigos, dentre eles uma coroa de flores enviada pela baronesa de São Miguel, há detalhes importantes sobre aquele assunto dos tais “filhos do padre”Inicialmente uma dessas homenagens nos causou agradável surpresa. É mencionado em destaque que um rico e luxuoso ataúde havia sido ofertado a ele, por Áurea Hermínia Nogueira “sua extremosa sobrinha e afilhada”

     Uma nota inédita para os de nossa geração, pois sobre padre Cupertino apenas sabíamos do fato de que ela havia sido levada por ele para estudar em sua companhia na cidade de Catú e que havia batizado, entre outros, a Luiz Nogueira Filho o primogênito dessa sobrinha. Dando continuidade ao que consta nesse mesmo obituário fomos encontrar os tais “filhos do padre Cupertino” de que tanto se falava. Para que seja melhor entendida essa questão transcrevemos na íntegra como foi publicado no jornal “O Serrinhense”, uma semana depois do comunicado de seu falecimento, os respectivos sobre essa questão: Assim se manifestaram aqueles “filhos” que tinham um carinho especial por padre Cupertino ao se despedirem do saudoso protetor.

 “...; a Sinhô, como a expressão de nossa grande dor e infinda saudade, essa cruz de flores que lhe trazem os filhos pelo coração; Sebastião, Helena, Dette, Lydia, Sophia, Araújo, Totonia, Lalinha e Fernando (marido de Lalinha), Quincas e José; saudades infindas dos filhos pelo coração, Zezinho e Blandina e dos netos pelo coração Paulo, José, Joanna, Angélica e Antonio: a Sinhô com essa recordação, as lágrimas de todos os que ficaram em casa chorando a sua eterna ausência; Sinhá Dona (Laudelina Cândida irmã de Cupertino), Alzira, Lia, Dadete, Tertú e Alvina; saudades de Afro e Josephina; ao nosso bom e saudoso Diretor revmo. Pe. José Cupertino, gratidão imorredoura do Apostolado da Oração, etc.”

   Acredito que esse trecho das homenagens como foi publicado, esclarece de uma vez por todas de quais filhos se ouvia falar e que seriam do padre Cupertino. Lembremos que ele havia sido Reitor de uma instituição de ensino destinada a crianças carentes na capital baiana. Ao ser designado pároco do Catú, ele criou uma escola semelhante para acolher os filhos menores daquela cidade e isso também nos mostra que a amizade de nossa avó Aurea com aquela que na família era conhecida como “tia Lalinha”, teve origem na mesma instituição dirigida por Cupertino. Anos mais tarde, mais precisamente em 15 de setembro de 1959 houve na casa de Lalinha no Catú, um dos últimos encontros entre essas “irmãs pelo coração”. Cabe acrescentar que essa foi a última foto de Áurea Hermínia.

Lalinha em pé, com Sophia, Áurea e Ziza (Alzira).

     Concluímos, portanto, que aqueles meninos e meninas por ele acolhidos, alguns possíveis órfãos, consideravam o padre José de Cupertino, não apenas como um benfeitor, mas para todos eles, um verdadeiro pai pelo coração. O templo de Catu permanece sendo um dos mais bem conservados do interior da Bahia e é imponente como mostra essa foto que foi feita em 1835.


A Família Pelo Lado Paterno

      Um triste golpe para a família do padre Cupertino, se dá quando sua mãe dona Antonia Clementina é atingida pela epidemia de febre que grassou pelo interior da Bahia e veio a falecer em 28 de maio de 1871, ainda jovem, pois contava apenas trinta e oito anos de idade. No mesmo ano em que ficara viúvo, pouco mais de seis meses depois, precisamente no dia 13 de dezembro de 1871 o capitão José Joaquim de Araújo se casa em segunda núpcia com dona Carolina Carneiro da Silva, filha de José Carneiro da Silva e dona Jerônima Maria de Oliveira a Lóli. O casal gerou a onze filhos, dentre os quais Alfredo de Araújo (24/09/1875), que foi vigário de Alagoinhas e Salvador Reginaldo de Araújo Lima – 25/04/1889, que foi Juiz Municipal do Catú.

Dona Carolina Carneiro da Silva e o capitão  José Joaquim de Araújo

     Curiosamente é o padre Cupertino quem realiza a cerimônia de batismo de seus irmãos por parte de pai, primeiro o de João Ferreira em dezembro de 1882 e mais tarde o de Salvador Reginaldo em dezembro de1889 e. Esses atos se dão na Igreja de Sant’Anna a Matriz da cidade de Serrinha. Estão presentes o capitão Joaquim José de Araújo e dona Carolina Carneiro de Araújo, pais dos batizandos e madrasta de Cupertino.

Batismo de Salvador Reginaldo de Araújo Lima

     Outro curioso detalhe é o de que, tanto o padre Cupertino quanto sua irmã Laudelina Cândida, figuram como padrinhos de Salvador, representando aqueles que estavam ausentes. Pelo lado paterno, o padre Cupertino, criaria sólida amizade justamente com seu irmão Salvador Araújo que, como ele, deitou raízes e exerceu sua profissão em Catú.


     Com apenas 17 anos de idade, Salvador Reginaldo de Araújo Lima segue para a capital onde passa a cursar, na Faculdade Livre de Direito da Bahia, se tornando bacharel em ciências jurídicas e sociais, colando grau em 8 de dezembro de 1911. Calorosa e festiva recepção social, organizada por seu irmão Cupertino e vários amigos, acontece em Catú quando de seu retorno para exercer sua atividade profissional naquele município. Esse evento festivo é amplamente publicado na “Revista do Brasil”, onde Salvador Araújo também exercia como colaborador a atividade de “jornalista”.

Registro do nascimento de Alfredo Araújo

   Porém, foi o padre Alfredo Araújo cônego de Alagoinhas quem se destacou política e ideologicamente na história baiana daquele pequeno município, quando em 5 de novembro de 1909 manteve uma posição de apoio aos trabalhadores da estrada de ferro, quando desde a capital eclodiu um estado de greve nesse sistema ferroviário. Sua atitude foi recebida por uma boa parte da população com bastante agrado, mas custou uma série de aborrecimentos ao padre quando até uma notícia de que havia um complô articulado para o assassinar.

   Tal ameaça não se concretizou e muitos foram os desmentidos, inclusive o do engenheiro Alencar Lima, representante da Estrada de Ferro, mas houve a prisão de certo cabra José Mathias da Costa que seria o emissário para executar o padre Alfredo Araújo, a mando daquele engenheiro.  Esse fato daria ao padre Alfredo, cuja imagem nessa foto de 1908 publicada na “Revista do Brasil”, visibilidade nacional, pois anos mais tarde, mais precisamente em outubro de 1935, o jornal “A Manhã” do Rio de janeiro quando publica uma reportagem sobre os momentos que eram vividos à época, menciona entre outros acontecimentos o de Alagoinhas.

   Desde a manchete da publicação daquele jornal carioca, o padre Alfredo é mencionado como o personagem que dirigiu aquela greve. É lembrado inclusive como “revolucionário democrata nacionalista” daquela que consideravam como a primeira greve anti-imperialista no norte do Brasil.

   Ainda como ideologia política defendida pelo padre Araújo, uma ligeira controvérsia foi publicada em fevereiro de 1910, no jornal “O Século” do Rio de Janeiro e até no jornal “Gazeta do Povo” de Curitiba. Estávamos em plena campanha eleitoral para a presidência da República e João Ferreira de Araújo, irmão de padre Alfredo, afirma que o padre apoia a candidatura de Hermes da Fonseca naquele pleito. Porém, logo em seguida, em outra publicação no mesmo jornal do Rio de Janeiro, o próprio padre não confirma essa nota que deu o irmão, pelo contrário, ainda declara a posição que assume diante de tão importante pleito.

     Acreditamos que, por sua influência religiosa, assim como por haver sido um personagem importante quando da greve dos ferroviários, o padre Araújo teve o cuidado de declarar publicamente a sua posição como eleitor. Formador de opinião não poderia deixar que seus fiéis e seus muitos amigos tomassem o que declarava seu irmão como verdade. Além de sua atividade natural, como vigário de Alagoinhas, o padre Alfredo de Araújo exerceu também a atividade de Presidente do Conselheiro Municipal em 1914 aonde, ao lado de figuras de destaque da sociedade alagoinhense, exerceu plenamente essa importante função. 

     Assim o Padre Cupertino do Catú viveu e juntamente com seus irmãos deixou um legado importante de honradez, perseverança e muita fé, na história das famílias Araújo e Nogueira de Serrinha, contribuindo para com os povos do lugar que adotou como sua terra natal.











 

 








 

sábado, 30 de setembro de 2017

Rigaud Nogueira

Uma Inesperada Herança

e meu encontro com Rigaud. 


    Do antigo Reino de Portugal nos idos de 1932 uma herança nos fazia imaginar uma bela história de vida, mas que nunca havia sido devidamente contada em seus detalhes e muito menos esclarecida.
    Rigaud Nogueira foi um personagem cujo nome se ouvia no seio da família, no entanto quase nada se dizia sobre ele, a não ser que havia deixado essa tal herança para seus muitos familiares no Brasil e, em particular, aos da Bahia.
    Resolvi então ir à sua procura e para melhor nos encontrarmos com essa pessoa notável, dividi este assunto em 3 partes distintas.
                                              Parte 1 - Primeiras Notícias sobre Rigaud
                                              Parte 2 - O Estudante e Suas Obras
                                              Parte 3 - Encontro com Rigaud e seu Pai
                                              Parte 4 - Fazendo justiça a Francisco Rigaud Nogueira.
     Assim sendo, vamos até Portugal ao encontro desse nosso parente distante.



     Sobre Rigaud Nogueira se sabia, tão somente, que havia existido e que ao falecer em Portugal deixara uma herança em dinheiro, bastante razoável, para ser dividida entre seus familiares brasileiros até a terceira geração. Outros detalhes sobre ele simplesmente desconheciam.
     De concreto, diziam se tratar de um dos "lentes, ou professor, da Universidade de Coimbra, solteirão e muito rico". Coube a Leopoldo Nogueira, um dos irmãos de meu avô Luiz, a responsabilidade por compartilhar com 51 dos herdeiros, a parcela de Rs 626$900 (seiscentos e vinte e seis mil e novecentos réis) em moeda da época e que cabia a cada um deles. Tal divisão foi cuidadosamente documentada por Leopoldo em livros-caixa, pois o mesmo tinha como profissão a de agente financeiro no Rio de Janeiro.

Uma das páginas do livro-caixa de Leopoldo.

       Visto isso e apenas com essas poucas informações começamos nossa busca e pesquisa na tentativa de estabelecer um encontro com Rigaud.

Parte 1
Primeiras Notícias sobre Rigaud.
     acréscimo de um patronímico francês ao nome de família, levaria a deduções outras, não fosse a preciosa informação que nos foi passada em janeiro de 2000, por Rubem Nogueira, um dos sobrinhos de Leopoldo. Segundo ele, nos idos de 1925 esteve de passagem pela Bahia, a bordo de um navio vindo de Lisboa e chefiando uma delegação de estudantes universitários o professor português Rigaud Nogueira. Este havia sido procurado à bordo por um de seus primos, irmão de Leopoldo, Francisco Nogueira Sobrinho. Tínhamos a partir desse fato uma primeira pista a seguir, tomando como referência jornais da época daquele ano.

1928 - A caravana portuguesa que viaja para o Brasil.
     Foi quando ao consultar uma publicação digitalizada do jornal "A Noite" do Rio de Janeiro, quando a edição de 6 de setembro de 1928 dá notícia de que uma caravana de viajantes estava sendo organizada na cidade do Porto, com o objetivo de levar estudantes portugueses e brasileiros, acompanhados por professores e autoridades, em viagem cultural ao Brasil. Então, em um dos assuntos intitulado de "A Excursão do Bagé", lá estava ele, o professor Rigaud Nogueira.


  • "9º - Quaisquer detalhes sobre a viagem serão fornecidos no Consulado Geral do Brasil, no Lloyd Brasileiro e pelos Srs. Henrique Ferreira Alegria, Dr. José Alvares de Souza Soares, Ramiro Silva Ribeiro e professor Rigaud Nogueira.
  • 10º - O navio escalará na ida em Lisboa, Recife, São Salvador (Bahia) e Rio de Janeiro."
     Ali estava a confirmação da tal viagem cujo navio, o paquete Bagé, faria escala em Salvador, mencionando a presença do ilustre acompanhante Rigaud Nogueira, um dos responsáveis pela organização da viagem. Em outro jornal do Rio de Janeiro em 27 de setembro de 1928 dá conta de que o navio fez paradas para reabastecimento, no dia anterior, em Recife e Salvador antes de seguir direto para o Rio. Informa que entre outros passageiros o grupo estava acompanhado pelo professor da Universidade do Porto (e não de Coimbra como até então se imaginava), o engenheiro Antonio Rigaud Nogueira.


Prédio da Universidade do Porto - Antiga Academia Polytéchinica
     
     Mesmo havendo aportado na Baía de Todos os Santos em um dia de chuva intermitente, como menciona o jornal, além do encontro de Rigaud com seu primo Francisco Sobrinho, aconteceram várias homenagens prestadas pela grande colônia portuguesa na Bahia. Naquele dia 26 de setembro uma calorosa recepção foi organizada no Gabinete Português de Leitura situado na Praça da Piedade na Cidade do Salvador, onde em breve discurso o professor Rigaud agradeceu a acolhida dos luso-baianos aos visitantes.


Ao lado da Igreja de São Pedro na Praça da Piedade
o belo prédio do Gabinete Português de Leitura

     O mesmo artigo que menciona a chegada a Bahia, descreve a tradicional festa ocorrida dois dias antes a bordo do Bagé, quando o navio finalmente passa ao largo de Fernando de Noronha. Naquele momento Antonio Rigaud revela a todos que estava muito feliz pela próxima chegada à Pátria da qual estava ausente há 19 anos. Com essa declaração, para nós, deixava de ser "um parente português", mas brasileiro e alguém que estava, de alguma forma, bastante ligado à nossa família Nogueira do Brasil.
    O fato de ser brasileiro é reforçado quando da sua participação no concurso nacional, lá mesmo em Portugal, para a execução da bandeira nacional portuguesa em 1910, ao ser proclamada e instaurada a República naquele País. Entre outras propostas a sua com seu nome incompleto foi relacionada como sendo do "arquiteto A. Rigaud Nogueira". Portanto além de engenheiro era arquiteto.

Bandeira de Portugal proposta por A. Rigaud Nogueira em 1910.

    Observando seu trabalho, sem nenhuma dificuldade, se verifica a semelhança de elementos que correspondem à nossa bandeira nacional, certamente tão proposital que analistas desconhecedores de sua naturalidade comentaram no julgamento que teria sido "influenciada pelo grande fluxo de pessoas entre os dois países e o fato de que o Brasil também havia se tornado uma República poucos anos antes." De fato desconheciam, assim como nós, que Rigaud era brasileiro.
     Assim como na Bahia, a chegada dessa caravana ao Rio de Janeiro foi alvo de homenagens e das mais variadas recepções tendo Rigaud se destacado em todas elas e se tornado verdadeiro porta-voz dos visitantes. O jornal "O Paiz" por fim nos revela mais uma característica de nosso personagem.


     Diz claramente esse artigo: "O excursionista Rigaud Nogueira é engenheiro civil e arquiteto brasileiro. Ausente do Brasil há longos anos, ocupa o cargo de professor contratado (Na Universidade do Porto). Esse nosso distinto patrício, que nasceu na Bahia, tem publicações de verdadeiro mérito."
    Aí está. Não apenas brasileiro, engenheiro civil, arquiteto e professor, mas pormenor não menos importante, agora o sabemos baiano. Porém ainda não sabíamos qual seria sua relação familiar com os Nogueira da Bahia, aqueles que foram beneficiados com a tal herança. Quem foram seus pais?
     A derradeira homenagem aos componentes dessa caravana, um concorrido almoço de despedida no luxuoso Copacabana Palace Hotel, foi oferecido pelo diretor geral do Departamento Nacional de Ensino. Em lugar de honra, ao lado do Consul de Portugal e do reitor da Universidade do Rio de Janeiro lá estava o professor Rigaud Nogueira.

O Copacabana Palace do Rio de Janeiro em 1928.

     No mesmo jornal, em outro tópico uma das mais importantes revelações ficara para o final da visita. Na coluna "Vida Social" no tópico intitulado de "Viajantes", para mais uma surpresa encontramos nessa edição de 31 de outubro de 1928, o seguinte comunicado:

"Partiu ontem para Portugal, a bordo do "Cantuária Guimarães", acompanhado de sua esposa,
o Dr. Antonio Rigaud Nogueira, professor da Faculdade de Engenharia
da Universidade do Porto, que veio ao Rio acompanhando a caravana luso-brasileira."

     Portanto, em poucos tópicos referentes à viagem de Rigaud ao Brasil, muito do que se desconhecia sobre ele, aos poucos iam sendo reveladas. Sim, fora ele um professor, mas da Universidade do Porto. Não era português, mas brasileiro e baiano. Também não era "solteirão", como acreditavam aqueles que receberam parcelas da herança que deixara, mas casado e com sua mulher regressava para a cidade do Porto de onde viera, para não mais regressar ao Brasil.
     Foi na cidade do Porto, de acordo com o "registo de testamento com que faleceu Antonio Rigaud Nogueira", onde consta a data de 12 de janeiro de 1932,  quando ocorre sua morte e o fato de que deixara testamento. Portanto ele faleceu quatro anos depois de sua última visita ao Brasil.


     Assim encerramos a primeira parte de nossa busca.

Parte 2
O Estudante e suas Obras.

     De acordo com o que imaginamos, nosso professor havia estudado e se formado na Academia Polytéchnica do Porto e em um dos anuários daquela instituição que logramos localizar, lá estava ele entre os matriculados no ano letivo de 1880-1881.


     Deduzimos que na época da matrícula constasse com pouco mais de dezoito anos, comum aos jovens que haviam concluído os ensinos elementares e de liceu, para somente assim ingressar em uma das universidades portuguesas. Nesse mesmo anuário finalmente ficamos sabendo de quem era filho, além de confirmada sua naturalidade. Eis o que consta em um tópico reservado às origens dos alunos daquela Academia e às cadeiras nas quais está matriculado.


     Finalmente estabelecemos o parentesco do jovem acadêmico com os demais membros da família Nogueira. Seu pai era Francisco Rodrigues Nogueira, irmão de Antonio Rodrigues Nogueira que entre nós ficou conhecido como "O Figura". Francisco estivera juntamente como seu irmão no ano de 1848 na Bahia onde foi proprietário de uma casa comercial. No entanto, por não ter constituído família como o Figura, regressou em definitivo para a Cidade do Porto em 1864 posteriormente ao falecimento de João, único irmão de ambos, que lá ficara cuidando dos negócios dos pais já falecidos.
     Como estudante Rigaud desde cedo apresentara sua tendência maior para a Arquitetura, porém também fez curso de Engenharia Civil e de Diretor de Obras, o que lhe dava referências para projetar, construir e administrar seus próprios projetos. 

Um dos estudos desenvolvido por Rigaud na Academia do Porto em 1888.

     Sua formatura e licenciamento como Engenheiro Civil se deu em 2 de agosto de 1889, conforme consta no Anuário da Polytéchinica do Porto daquele ano letivo de 1888 a 1889.


     Após ter se formado, o jovem engenheiro passa a colaborar com o pai na administração de seu principal negócio, que como capitalista havia se dedicado à construir residências para locação. Foi em um requerimento para uma das obras de seu pai, com data de dois anos após sua formatura e cujo projeto foi elaborado por ele, que encontramos sua assinatura.


     Esse documento nos revela que eram moradores à Avenida da Boa Vista nº 911 e que o terreno onde seria executada a obra seria vizinho à residência. Eram três casas para locação construídas em um só bloco. Apenas a maior ainda se encontra em perfeito estado de conservação, porém as duas da extrema direita foram demolidas e em seu lugar construído um edifício empresarial.

À esquerda a residência de Francisco e à direita as três casas.

Essas características ornamentais da fachada, em particular o complemento
superior das platibandas e janelas são observados em outros projetos de Rigaud.

     Em outro requerimento, datado de 12 de outubro de 1931, sendo portanto posterior ao regresso de Rigaud de sua última visita ao Brasil, quando solicita licença para obra em imóvel de sua propriedade, ficamos sabendo que residia na época e certamente com sua mulher, à Avenida da Boa Vista, nº 1065. Essa avenida é a mais importante do centro moderno do Porto e fica na parte alta daquela cidade.


O simpático sobrado da Avenida da Boa Vista 1065.

     A residência de Rigaud, assim como mais duas casas na mesma quadra, foram projetadas de modo que podemos observar as mesmas características nos detalhes arquitetônicos de suas fachadas. Outras duas, na Rua de Santa Catarina nº 1432 também são semelhantes, o que nos faz crer que nessas obras o mesmo projeto foi utilizado por ele em endereços diferentes.

 Avenida da Boavista nº 1083 - Casas construídas em março de 1908.

Rua de Santa Catarina nº 1432
Ligeiras alterações revelam que se trata do mesmo projeto acima.
Atualmente na casa da direita, com entrada para veículos, funciona o Hotel Costa do Sol.

     O arquiteto Antonio Rigaud Nogueira não projetou apenas as casas para locação para seu pai. Alguns dos mais bonitos palacetes lhe foram encomendados e dentre eles o da Rua Bonjardim nº 1254 tem sido, inclusive, alvo do instituto de preservação do patrimônio do Porto, por sua importância  no contexto histórico da arquitetura portuguesa e daquela cidade.

Plantas do projeto para o palacete da Rua Bonjardim.

O palacete é totalmente revestido com cerâmica nessa coloração da foto recente.

Detalhe decorativo elaborado em gesso para o teto da torrinha do palacete.

Palacete da Rua Álvares Cabral nº 312, elaborado em 10 de agosto de 1902.

Rua de Santa Catarina nº 1316, outro palacete projetado por Rigaud Nogueira.

Outros dois blocos de residência para aluguel pertencente a seu pai,
construídos na Rua de Álvares Cabral nºs 259 e 263.

     Todos esses imóveis somente foram localizados graças aos registros que são mantidos no Arquivo Municipal da Cidade do Porto. As imagens dos mesmos foram realizadas mediante um breve "passeio virtual" por meio do google street view com imagens atualizadas em 2016.


Parte 3
Encontro com Rigaud e seu Pai.

      Nosso derradeiro encontro com Rigaud e por consequência com seu pai Francisco, se dá, curiosamente, por meio dos testamentos de ambos. Localizados no mesmo instituto da cidade do Porto, são detalhes preciosos que de uma vez por todas nos coloca diante de dois personagens da família, que até então eram pouco ou nada conhecidos por todos nós.

Pequeno trecho introdutório do testamento de Francisco,
escrito pelo próprio, parcialmente transcrito abaixo.

Testamento - Eu Francisco Rodrigues Nogueira, solteiro e morador na Avenida da Boavista, 95, d’esta cidade do Porto, tenho resolvido fazer o meu testamento pela forma seguinte: Sou cristão, natural da freguesia de S. Martinho de Cedofeia d’esta cidade, filho legítimo de Antonio Rodrigues Nogueira e de D. Antonia Luisa, ambos já falecidos e morro na profunda crença da regeneração da humanidade pela república, fé política professada por mim desde a infância...
Instituo e nomeio por meus universais herdeiros, com obrigação de cumprir as minhas últimas vontades, a meus filhos Francisco Rigaud Nogueira e Antonio Rigaud Nogueira, os quais perfilhei por escritura de dez de fevereiro de mil oitocentos e setenta e seis...
 E d’esta forma tenho concluído este meu testamento, que escrevi pelo meu próprio punho e assino. Porto, 9 de março de 1896.” 

     Em poucas linhas, das quais as mais importantes aí estão, preciosos detalhes nos são revelados por ele. Francisco se dizia solteiro embora vivesse com a mãe de seus dois filhos, aqui também nominados. Além disso, nos revela quem eram seus pais e onde nascera. No endereço mencionado, defronte do Parque da Cidade do Porto, atualmente existe uma bela residência em linhas modernas.
  Seu falecimento, de acordo com registro de abertura de seu testamento que está no Arquivo Municipal do Porto, se deu aos 24 de janeiro de 1902, aos 82 anos de idade, pois sabemos que nasceu aos 13 de fevereiro de 1820.


    Já o testamento elaborado por Antonio vai corroborar o que se sabia dele, mas acrescenta detalhes que o tornam sobremaneira importante nesse nosso encontro. Do mesmo modo foi elaborado de próprio punho e foi nesse documento que nos deu a conhecer o nome de sua mãe, ignorado no testamento feito anos antes por seu pai, assim como o de sua mulher.

Trecho da introdução ao testamento de Antonio Rigaud Nogueira.

“TESTAMENTO - Eu, Antonio Rigaud Nogueira, cidadão brasileiro, casado, maior, engenheiro civil, morador na Avenida da Boavista nº 1065, d’esta Cidade do Porto, faço o meu testamento livre e espontaneamente pela maneira seguinte: Sou natural da cidade da Bahia, República dos Estados Unidos do Brasil, onde nasci a 5 de fevereiro de 1861, filho de Francisco Rodrigues Nogueira e de Anna Eliza Rigaud, ambos já falecidos, e estou casado civilmente com Maria Emília da Silva Rigaud Nogueira, desde 20 de abril de 1910, com escritura antenupcial lavrada nas notas do notário Eduardo Artur Maia Mendes no dia 16 do mesmo ano. Declaro também que da mesma senhora e anteriormente ao nosso casamento, tive um filho de nome Fernando da Silva Rigaud Nogueira, nascido a 2 de fevereiro de 1892, perfilhado por mim a 7 de maio de 1902 nas notas...
 Quero que meu enterro seja feito civilmente, sendo o meu caixão coberto com a bandeira brasileira e transportado até o cemitério de Agromonte à capela privativa de família de meu pai Francisco Rodrigues Nogueira, onde ficará depositado em caixão de chumbo na gaveta que já tem o meu nome. Declaro mais não ter religião alguma, ser positivista e republicano radicalmente socialista. Se à hora de minha morte, por fraqueza física, espiritual e moral, declarar outra coisa, quero que se cumpra à risca o meu testamento em tudo particularmente no que diz respeito ao meu enterro, que será civil, sem a mínima manifestação religiosa.  
Finalmente nomeio meus testamenteiros em Portugal em primeiro lugar a meu filho Fernando da Silva Rigaud Nogueira, em segundo lugar a minha mulher Maria Emilia da Silva Rigaud Nogueira e em terceiro lugar a meu amigo Sr. Severino Guimarães, e no Brazil, em primeiro lugar a meu primo Dr. Fructuoso Pinto Rigaud, em segundo lugar a seu irmão Eduardo Julio Rigaud e em terceiro lugar ao Dr. José Martins de Souza Mendes, residente no Rio de Janeiro, capital da República dos Estados Unidos do Brazil, aos quais pela ordem em que ficam nomeados peço façam cumprir este meu testamento, que escrevi pelo meu próprio punho e vou assinar e rubricar.
Porto, 24 de julho de 1930.”



     Mais uma vez, recorrendo à instituição que detém a guarda de tantos documentos no Porto, ficamos diante de mais um registro e desta feita o do testamento de Rigaud. Nesse documento consta como tendo falecido no ano de 1932. Provavelmente de causas naturais, contando apenas 71 anos de idade. 



   Embora nos dois testamentos que acabamos de conhecer, colhendo ali as informações que contribuíram para o encontro com Rigaud, ficou evidente que em nenhum deles há a mínima menção de que houvera qualquer benefício a ser direcionado para os parentes brasileiros. Francisco, por exemplo, em suas próprias palavras deixa para a "prima D. Maria Ermelinda da Silva Chiappe usufruto vitalício de trinta ações do Banco de Lisboa e Açores", além de deixar como lembrança ao amigo José João Teixeira de Moraes, o próprio "alfinete de peito com brilhante." Os filhos, por sua vez, assumem por direito os negócios do pai e por algum tempo dão continuidade a eles.
     Do mesmo modo nada que justifique a tal herança inesperada recebida por nossos bisavós, avós e tios, naquele ano de 1933, é mencionado no testamento de Antonio Rigaud Nogueira, afinal tanto sua mulher quanto seu filho teriam direito à totalidade de seu espólio. Por isso, se especula que não tendo herdeiros vivos quando de seu falecimento, ou parente próximo em Portugal, coube a Antonio Rodrigues Nogueira Jr., o "Dota", um dos irmãos de meu avô Luiz Nogueira, sendo primo em segundo grau de Rigaud, quando de viagem ao Porto havia tomado conhecimento de que havia essa herança para ser reclamada. Assim teria foi feito no retorno ao Brasil e coube, como já vimos, a seu irmão Leopoldo dar prosseguimento ao processo jurídico de habilitação para que eles e demais primos recebessem cada um sua parte no espólio de Rigaud Nogueira.

Conclusão

     Foi assim que se deu meu encontro com Rigaud e que agora compartilho com todos aqueles que um dia se perguntaram sobre quem seria esse misterioso benfeitor de alguns antigos membros de nossa família. Se não logramos localizar qualquer documento que confirmassem algum desejo resultante daquele benefício, as informações coletadas nos remeteram às mais remotas origens dos Nogueira desde a Cidade do Porto, na freguesia de Cedofeita, tendo como um dos pontos mais marcantes, ficar sabendo que foi na Igreja de São Martinho o templo católico onde os mais importantes atos de suas vidas aconteceu. 

Igreja de São Martinho na freguesia de Cedofeita

Interior da Igreja de São Martinho mostrando o altar mór e a pia batismal.
Nessa igreja se casaram os pais de Francisco e nela ele foi batizado.

Parte 4
Fazendo Justiça a
Francisco Rigaud Nogueira.


     Como está dito acima, na conclusão do que se conhecia e que foi mencionado nas partes anteriores a esta, novas informações acerca da origem da "Herança de Rigaud" foram localizadas. Como vimos, o testamento de Francisco Rodrigues Nogueira, assim como o de seu filho Antonio Rigaud, não menciona seus primos brasileiros por qualquer parcela de herança por eles deixada. Entretanto, ao voltarmos nossa atenção para o filho mais velho Francisco Rigaud Nogueira, que foi testamenteiro do pai de ambos, tivemos a grata surpresa de finalmente esclarecermos a verdadeira origem da tal herança.
     Ao contrário de Antonio que havia permanecido em Portugal e se tornara professor, Francisco Rigaud voltara para o Brasil de onde saíra com a família em 1881, e se torna funcionário de Estrada de Ferro do Rio de Janeiro, conforme registro no qual consta sua função como "Conferente de 3ª Classe", no período de 1896 a 1898.


     
     Consultando antigos jornais do Rio, recentemente disponibilizados, em um deles o “Jornal do Brasil” datado de 22/06/1932, edição nº 147 nos deparamos com a coluna “O FORO” onde, entre outras coisas, um dos editais conclamava familiares ligados ao falecido Francisco Rigaud Nogueira para que se habilitassem à herança que ele, por livre vontade expressa lhes havia direcionado, mas estabelecendo determinadas condições. No que acreditamos tenha sido publicado apenas um pequeno trecho daquele documento, ele teria dito em seu testamento que:

“Como socialista não admito a transmissão de herança, mas se pelo meu falecimento a lei ainda o permitir... (ilegível)...o Doutor Antonio Rigaud Nogueira usufrutuário de todos os meus bens, enquanto vivo - por sua morte serão divididos em partes iguais por todos os meus primos de sangue existentes pela minha morte, seja em que grau for, quer do ramo Rigaud, quer do ramo Nogueira”.

    Com a localização desse edital e de seu teor posso dizer que de modo irrefutável e em definitivo, está esclarecida a maneira como nossos parentes receberam a tal “Herança de Rigaud”, além de nos revelar qual dos irmãos Rigaud foi o responsável por aquele ato.
      Portanto, fora posteriormente ao falecimento do Professor Antonio Rigaud Nogueira que as partes da tal herança, correspondentes aos primos do ramo Nogueira, foi devidamente distribuída dando a todos a impressão que houvera sido deixada por ele aos parentes brasileiros.
Os valores correspondentes foram adquiridos posteriormente à venda em leilão de títulos diversos em investimentos feitos por Francisco Rigaud na Bolsa do Rio de Janeiro.


     Nessa nova pesquisa uma das mais gratas surpresas é localizada. Em edição recentemente disponibilizada da revista "Lusitânea", entre outras notícias relacionadas relacionadas com portugueses no Brasil e brasileiros em Portugal, na edição de setembro de 1931 nos deparamos com a primeira fotografia de Antonio Rigaud Nogueira. Ela nos mostra a imagem de nosso parente agora não mais desconhecido.


Professor Engenheiro e Arquiteto - Antonio Rigaud Nogueira


     Uma pergunta natural e que até outro dia estava sem resposta:
     - “E o que aconteceu com Fernando, o único filho de Antonio Rigaud Nogueira?”

     Infelizmente nada havia sido encontrado até então, que nos desse pista de seu destino e atividades na Cidade do Porto. Entretanto, pesquisando outras possibilidades, eis que uma antiga nota em um jornal de Curitiba, o Diário de Paraná, surpreendia com a inegável menção de seu nome.


     
     Publicada em 21 de junho de 1956, a notícia acima sobre a apresentação dessa escritora, entre outras coisas nos revela que ela interpretaria composições de autores portugueses, dentre eles o nosso Fernando Rigaud Nogueira àquela altura, se vivo estivesse, contaria apenas 64 anos de idade.

     Infrutíferas foram as buscas em sites da Cidade do Porto que pudessem confirmar ou nos esclarecer acerca dessa formação musical de Fernando. Talvez um dia ainda possamos conhecer, desse compositor de peças musicais, filho de Antonio Rigaud, algumas de suas obras.
      Finalmente, a partir de agora cada vez que algum de nós vier a contar essa história, estará dando o crédito verdadeiro a nosso primo em 4º grau, o Conferente de 3ª Classe e também baiano Francisco Rigaud Nogueira

*     *     *

Nota importante:
Para mais informações atualizadas sobre a origem dos Nogueira na Bahia, acesse a primeira publicação feita neste blog em dezembro de 2010 intitulada como "I-Os Nogueira de Serrinha-Bahia", sobre o primeiro jovem português que veio para o Brasil. Foi atualizada em 30 de setembro de 2017.
Para facilitar sua visita, acesse o link: http://marcosnogueira-2.blogspot.com.br/2010/12/os-nogueira-de-serrinha-bahia.html