quinta-feira, 30 de setembro de 2021

 

Padre Cupertino do Catú.



        José de Cupertino e Araújo Lima era o seu nome por completo.

     Em todas as famílias encontramos personagens que, de uma maneira ou de outra, são lembrados apenas por determinados detalhes que nada, ou quase nada, dizem a respeito dele, por exemplo:  Entre os Nogueira de Serrinha, houve um médico que por suas excentricidades somente era lembrado pelo fato de que, “subia de costas a ladeira da Bela Vista” que o levava até a belíssima chácara que possuía. Desse modo e apenas com base nesse fato, as gerações que o precederam o conheciam, ignorando por completo o grande homem que fora o Dr. Miguel Nogueira, seus feitos e tão forte quanto marcante personalidade. Assim como ele, outros personagens foram sendo apresentados aos que chegavam e dessa maneira uma história de família ia sendo escrita.

     Uma outra figura marcante e cuja “fama” até os dias atuais (2021) tiveram sua lembrança atrelada a um curioso e até lendário feito, foi aquele que se conhecia apenas como “o padre Cupertino de Catú”.

Vila de Sant'Anna do Catu em óleo ded José Rosário

     Padre Cupertino estava ligado aos Nogueira de Serrinha na Bahia, por ser tio de Áurea Hermínia casada com Luiz Nogueira, filha de sua irmã Maria Hermínia que era conhecida como Sinhália, e que havia sido levada por ele, ainda pré-adolescente, para ser educada e dar à essa sobrinha instrução, pois seu tio padre mantinha uma instituição religiosa de ensino na cidade de Catú. Porém, a lembrança mais marcante que deixara esse personagem na família era a de que naquela pequena cidade baiana, “padre Cupertino tinha muitos filhos”Assim sendo, como fizemos com outras figuras relacionadas com nossa família, vamos conhecer melhor essa história e lhe dar uma versão mais coerente e verdadeira sobre o reverendo padre José de Cupertino e Araújo Lima.

     Pertencia padre Cupertino à quinta geração de serrinhenses natos e descendente do próprio Bernardo da Silva e dona Maria do Sacramento, fundadores de Serrinha dos quais era tetraneto. Pelo lado paterno era neto de dona Rosa Maria de Lima (bisneta de Bernardo da Silva) e de Francisco Joaquim de Araújo, casados em outubro de 1821 e que tiveram a cinco filhos. Como vemos, dessa prole surgiriam em Serrinha os Araújo. Pelo lado materno era neto do português Manoel José Pinto, que morava na então “Vila de Cachoeira”, palco principal da resistência dos últimos redutos das forças portuguesas, que se recusavam a aceitar a independência brasileira de Portugal que levariam a região a ser o centro das lutas pela confirmação definitiva daquela proclamação.

     Manoel José Pinto, justamente por ser conhecido monarquista, se viu obrigado a sair de Cachoeira em virtude dos acontecimentos que iriam se suceder na Bahia, após o sete de setembro de 1822, culminando com a chamada “Independência da Bahia” no dia dois de julho de 1823. Em Serrinha, para onde se mudou como toda a família antes disso, o avô do padre Cupertino encontrou abrigo entre os conterrâneos que lá estavam há muito tempo. Ele se casa em 04/09/1827, com dona Bernarda Archanja Moreira, falecida em 28 de maio de 1871. Eram os pais do padre Cupertino, o capitão José Joaquim de Araújo e sua primeira mulher dona Antonia Clementina Moreira Pinto que, além dele, geraram a mais oito filhos:

JOSÉ JOAQUIM DE ARAÚJO – (01/05/1831-24/12/1909)
ANTONIA CLEMENTINA – (xx/xx/1833 – 28/05/1871)
1-José de Cupertino e Araújo Lima (12/09/1858-25/11/1930).
2-Cecília Lima Araújo a Dadete. (20/11/1859)
3-Maria – (17/09/1861 – 23/09/1861)
4-Maria Hermínia de Araújo a Sinhá Lia (01/09/1862-xx/xx/xxxx),
    casada com Synphrônio Cardoso Ribeiro.
5-Reginaldo Cyrilo de Araújo (28/01/1865- morreu jovem vítima de febre
    amarela em 1877 enquanto aluno no Atheneu Bahiano).
6-Laudelina Cândida Araújo a Sinhá Dona (22/04/1866).
7-Antonio – (março 1868 e falecido em 05/06/1868)
8-Antonio José de Araújo (08/05/1869-xx/xx/1960). Foi o primeiro
    serrinhense formado em Direito, em Recife, ilustre jurista era Titular
    do Cartório de Ofício, e em 1926 escreve o primeiro livro sobre
    as famílias de Serrinha, tendo como base escritos do irmão Cupertino.
    Casou em 08/12/1892, com dona Guilhermina de Castro Araújo.
9-Joaquim José de Araújo (24/08/1870 -também morto pela febre em
    Serrinha 11/01/1886) 

        Portanto, como sabemos, o primogênito da família Araújo nascido em Serrinha, viria se dedicar ao sacerdócio. As primeiras letras foram adquiridas de maneira informal, pois sua cidade ainda não possuía o ensino regular que somente anos mais tarde seria implementado, tendo como primeira professora oficialmente formada justamente aquela sua sobrinha Áurea Hermínia que ajudara a educar.

     Recentemente, graças a nosso primo José Mota da Silva Filho que nos deu a conhecer detalhes sobre padre Cupertino em leitura que fez em um antigo jornal serrinhense, sobre determinado detalhe que lhe chamou a atenção, decidimos dar sequência às informações contidas naquele jornal e empreender uma busca em outras fontes para tentar saber um pouco mais sobre quem fora esse personagem tão comentado e muito pouco conhecido de nossa família.

                                                   Maria Hermínia e a jovem Áurea - 1892

     Inicialmente e de acordo com o que nos mostrou seu obituário, publicado no jornal "O Serrinhense" na edição de 30 de novembro de 1930, jornal esse crior ado pseu sobrinho Reginaldo Cardoso Ribeiro, ficamos sabendo que ainda jovem Cupertino é mandado para estudar na capital no “Collegio Atheneu Bahiano", situado à Calçada do Bonfim nº 177, em regime de internato. Dirigido em sua criação pelo reverendíssimo padre-mestre dr. Urbano da Silva Monte, como nos mostra essa publicação no jornal Correio da Bahia em fevereiro de 1874, esse colégio somente aceitava alunos até a idade de 14 anos.

 

     À época em que foi matriculado, em 1870, contando apenas 12 anos de idade, esse colégio estava sob a direção do padre José Alves Martins do Loreto que, também de acordo com o mesmo obituário, seria conterrâneo dos pais do jovem Cupertino e bastante conhecido das famílias serrinhenses. Após completar os estudos ditos “preliminares”, em 1876 o jovem dá continuidade aos estudos e aos 18 anos de idade, já direcionados para a formação eclesiástica, se matricula no Seminário Grande da Bahia, vindo daí sua esmerada cultura.

     Embora tenha concluído seu curso em 1880, sua ordenação se daria apenas em 1883, quando completava 21 anos de idade. Nessa mesma época foi designado e nomeado pelo comendador José Augusto de Figueiredo, como Reitor dos Órphãos de São Joaquim, instituição de acolhimento de carentes cujas instalações ainda existe nos dias atuais. Tão logo iniciou nesse cargo, organizou as festividades de comemoração de mais um aniversário do denominado “Asilo de Expostos” que teve a presença das mais altas autoridades baianas e também do provedor da Santa Casa da Misericórdia, o então Conde Joaquim Pereira Marinho.

     Permaneceu nesse cargo mesmo após ter recebido sua ordenação, até ser eleito deputado provincial para o biênio 1886 e 1887. Ao fim do segundo mandato como deputado provincial, em 1887 é nomeado “vigário encomendado” do município do Catú na freguesia de Sant’Anna. Nesse meio tempo também acaba sendo reeleito em 1888 como deputado provincial.

   Politicamente estava filiado ao Partido Conservador, mantendo-se nessa posição durante o Brasil Imperial e posteriormente no regime republicano. Na publicação do “Almanach Litterário” de 1888, lá está ainda sendo apontado como Reitor dos Órfãos de S. Joaquim.

   Sua ideologia o manteve fiel à defesa dos interesses de Catú, onde sua contribuição para o bem-estar da população daquele pequeno município baiano seria mais tarde reconhecida com a homenagem de seu nome sendo colocado à mais importante avenida da cidade, a mesma que por várias vezes circulou até a igreja onde realizava seus cultos religiosos.

Avenida Padre Cupertino.

   A história da Igreja Matriz em Catú está diretamente relacionada com padre Cupertino, pois conforme o que diz a nota de uma publicação que circulava na capital baiana e seus municípios, a conclusão da obra de construção foi graças à intervenção dele junto às autoridades do estado da Bahia.

 Os “Filhos” do Padre Cupertino

    Em nossa história, contemporânea ou de séculos passados, sempre se ouviu o comentário de que alguns padres tiveram com alguma fiel, civil ou também religiosa, filhos biológicos o que contrariava a exigência disciplinar da igreja de que o sacerdote tinha como dever manter o celibato.

Casa Pia dos Órphãos de São Joaquim.

     Entretanto, no caso específico do reverendo padre Cupertino, eram feitos comentários mencionando que ele teria muitos filhos em Catú, com claro fundo pilhérico e de alguma maldade, principalmente por aqueles seus conterrâneos que o tinham como adversário político. Mais uma vez, de acordo com o que consta em seu obituário, das homenagens póstumas que lhe foram feitas por parentes e amigos, dentre eles uma coroa de flores enviada pela baronesa de São Miguel, há detalhes importantes sobre aquele assunto dos tais “filhos do padre”Inicialmente uma dessas homenagens nos causou agradável surpresa. É mencionado em destaque que um rico e luxuoso ataúde havia sido ofertado a ele, por Áurea Hermínia Nogueira “sua extremosa sobrinha e afilhada”

     Uma nota inédita para os de nossa geração, pois sobre padre Cupertino apenas sabíamos do fato de que ela havia sido levada por ele para estudar em sua companhia na cidade de Catú e que havia batizado, entre outros, a Luiz Nogueira Filho o primogênito dessa sobrinha. Dando continuidade ao que consta nesse mesmo obituário fomos encontrar os tais “filhos do padre Cupertino” de que tanto se falava. Para que seja melhor entendida essa questão transcrevemos na íntegra como foi publicado no jornal “O Serrinhense”, uma semana depois do comunicado de seu falecimento, os respectivos sobre essa questão: Assim se manifestaram aqueles “filhos” que tinham um carinho especial por padre Cupertino ao se despedirem do saudoso protetor.

 “...; a Sinhô, como a expressão de nossa grande dor e infinda saudade, essa cruz de flores que lhe trazem os filhos pelo coração; Sebastião, Helena, Dette, Lydia, Sophia, Araújo, Totonia, Lalinha e Fernando (marido de Lalinha), Quincas e José; saudades infindas dos filhos pelo coração, Zezinho e Blandina e dos netos pelo coração Paulo, José, Joanna, Angélica e Antonio: a Sinhô com essa recordação, as lágrimas de todos os que ficaram em casa chorando a sua eterna ausência; Sinhá Dona (Laudelina Cândida irmã de Cupertino), Alzira, Lia, Dadete, Tertú e Alvina; saudades de Afro e Josephina; ao nosso bom e saudoso Diretor revmo. Pe. José Cupertino, gratidão imorredoura do Apostolado da Oração, etc.”

   Acredito que esse trecho das homenagens como foi publicado, esclarece de uma vez por todas de quais filhos se ouvia falar e que seriam do padre Cupertino. Lembremos que ele havia sido Reitor de uma instituição de ensino destinada a crianças carentes na capital baiana. Ao ser designado pároco do Catú, ele criou uma escola semelhante para acolher os filhos menores daquela cidade e isso também nos mostra que a amizade de nossa avó Aurea com aquela que na família era conhecida como “tia Lalinha”, teve origem na mesma instituição dirigida por Cupertino. Anos mais tarde, mais precisamente em 15 de setembro de 1959 houve na casa de Lalinha no Catú, um dos últimos encontros entre essas “irmãs pelo coração”. Cabe acrescentar que essa foi a última foto de Áurea Hermínia.

Lalinha em pé, com Sophia, Áurea e Ziza (Alzira).

     Concluímos, portanto, que aqueles meninos e meninas por ele acolhidos, alguns possíveis órfãos, consideravam o padre José de Cupertino, não apenas como um benfeitor, mas para todos eles, um verdadeiro pai pelo coração. O templo de Catu permanece sendo um dos mais bem conservados do interior da Bahia e é imponente como mostra essa foto que foi feita em 1835.


A Família Pelo Lado Paterno

      Um triste golpe para a família do padre Cupertino, se dá quando sua mãe dona Antonia Clementina é atingida pela epidemia de febre que grassou pelo interior da Bahia e veio a falecer em 28 de maio de 1871, ainda jovem, pois contava apenas trinta e oito anos de idade. No mesmo ano em que ficara viúvo, pouco mais de seis meses depois, precisamente no dia 13 de dezembro de 1871 o capitão José Joaquim de Araújo se casa em segunda núpcia com dona Carolina Carneiro da Silva, filha de José Carneiro da Silva e dona Jerônima Maria de Oliveira a Lóli. O casal gerou a onze filhos, dentre os quais Alfredo de Araújo (24/09/1875), que foi vigário de Alagoinhas e Salvador Reginaldo de Araújo Lima – 25/04/1889, que foi Juiz Municipal do Catú.

Dona Carolina Carneiro da Silva e o capitão  José Joaquim de Araújo

     Curiosamente é o padre Cupertino quem realiza a cerimônia de batismo de seus irmãos por parte de pai, primeiro o de João Ferreira em dezembro de 1882 e mais tarde o de Salvador Reginaldo em dezembro de1889 e. Esses atos se dão na Igreja de Sant’Anna a Matriz da cidade de Serrinha. Estão presentes o capitão Joaquim José de Araújo e dona Carolina Carneiro de Araújo, pais dos batizandos e madrasta de Cupertino.

Batismo de Salvador Reginaldo de Araújo Lima

     Outro curioso detalhe é o de que, tanto o padre Cupertino quanto sua irmã Laudelina Cândida, figuram como padrinhos de Salvador, representando aqueles que estavam ausentes. Pelo lado paterno, o padre Cupertino, criaria sólida amizade justamente com seu irmão Salvador Araújo que, como ele, deitou raízes e exerceu sua profissão em Catú.


     Com apenas 17 anos de idade, Salvador Reginaldo de Araújo Lima segue para a capital onde passa a cursar, na Faculdade Livre de Direito da Bahia, se tornando bacharel em ciências jurídicas e sociais, colando grau em 8 de dezembro de 1911. Calorosa e festiva recepção social, organizada por seu irmão Cupertino e vários amigos, acontece em Catú quando de seu retorno para exercer sua atividade profissional naquele município. Esse evento festivo é amplamente publicado na “Revista do Brasil”, onde Salvador Araújo também exercia como colaborador a atividade de “jornalista”.

Registro do nascimento de Alfredo Araújo

   Porém, foi o padre Alfredo Araújo cônego de Alagoinhas quem se destacou política e ideologicamente na história baiana daquele pequeno município, quando em 5 de novembro de 1909 manteve uma posição de apoio aos trabalhadores da estrada de ferro, quando desde a capital eclodiu um estado de greve nesse sistema ferroviário. Sua atitude foi recebida por uma boa parte da população com bastante agrado, mas custou uma série de aborrecimentos ao padre quando até uma notícia de que havia um complô articulado para o assassinar.

   Tal ameaça não se concretizou e muitos foram os desmentidos, inclusive o do engenheiro Alencar Lima, representante da Estrada de Ferro, mas houve a prisão de certo cabra José Mathias da Costa que seria o emissário para executar o padre Alfredo Araújo, a mando daquele engenheiro.  Esse fato daria ao padre Alfredo, cuja imagem nessa foto de 1908 publicada na “Revista do Brasil”, visibilidade nacional, pois anos mais tarde, mais precisamente em outubro de 1935, o jornal “A Manhã” do Rio de janeiro quando publica uma reportagem sobre os momentos que eram vividos à época, menciona entre outros acontecimentos o de Alagoinhas.

   Desde a manchete da publicação daquele jornal carioca, o padre Alfredo é mencionado como o personagem que dirigiu aquela greve. É lembrado inclusive como “revolucionário democrata nacionalista” daquela que consideravam como a primeira greve anti-imperialista no norte do Brasil.

   Ainda como ideologia política defendida pelo padre Araújo, uma ligeira controvérsia foi publicada em fevereiro de 1910, no jornal “O Século” do Rio de Janeiro e até no jornal “Gazeta do Povo” de Curitiba. Estávamos em plena campanha eleitoral para a presidência da República e João Ferreira de Araújo, irmão de padre Alfredo, afirma que o padre apoia a candidatura de Hermes da Fonseca naquele pleito. Porém, logo em seguida, em outra publicação no mesmo jornal do Rio de Janeiro, o próprio padre não confirma essa nota que deu o irmão, pelo contrário, ainda declara a posição que assume diante de tão importante pleito.

     Acreditamos que, por sua influência religiosa, assim como por haver sido um personagem importante quando da greve dos ferroviários, o padre Araújo teve o cuidado de declarar publicamente a sua posição como eleitor. Formador de opinião não poderia deixar que seus fiéis e seus muitos amigos tomassem o que declarava seu irmão como verdade. Além de sua atividade natural, como vigário de Alagoinhas, o padre Alfredo de Araújo exerceu também a atividade de Presidente do Conselheiro Municipal em 1914 aonde, ao lado de figuras de destaque da sociedade alagoinhense, exerceu plenamente essa importante função. 

     Assim o Padre Cupertino do Catú viveu e juntamente com seus irmãos deixou um legado importante de honradez, perseverança e muita fé, na história das famílias Araújo e Nogueira de Serrinha, contribuindo para com os povos do lugar que adotou como sua terra natal.