sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O incêndio e fim do Mercado Modêlo.

O Mercado Modelo 
Qualquer um que visite a Bahia, seja turista brasileiro ou estrangeiro, terá no Mercado Modelo o principal ponto comercial de produtos artesanais da Cidade do Salvador. Ali aos pés do Elevador Lacerda, na praça Visconde de Cayrú, o clima, as cores e os agradáveis odores da antiga Soterópolis ainda permanecem no ar. No interior do prédio em dois pavimentos, inúmeras bancas expõem artigos típicos regionais e às vezes de outras paragens nordestinas. Desde a entrada, por qualquer um dos portais, o som característico do berimbau se faz ouvir espontaneamente, enquanto na rotunda dos fundos, antigo atracadouro, um grupo permanece “jogando capoeira” para deleite dos visitantes.

Mercado Modêlo - Cidade do Salvador 2010.
     Porém, poucos são os que sabem que naquele prédio não está o mercado original, sejam visitantes e até baianos. Trata-se do prédio da antiga Casa da Alfândega da Bahia, construído em 1861, que passou a ser utilizado em substituição ao velho mercado que sofreu um derradeiro e destruidor incêndio. Esse é o novo tema de nosso blog.

Um pouco da história
     Construído e localizado estrategicamente no principal centro comercial da cidade em sua época, entre o prédio da alfândega e as instalações do 3º Distrito Naval, tendo como pano de fundo o mar azul e calmo da Baía de Todos os Santos e o Forte de São Marcelo, o Mercado Modelo original foi inaugurado em 1912. Além dos vários boxes em sua área interna, era na movimentada “rampa do mercado” que o povo buscava nos saveiros, as mais diversas iguarias produzidas no recôncavo baiano, dentre elas a do município de Nazaré “das Farinhas”, uma especial farinha de mandioca, base da alimentação da maioria da população; “um sarapatél sem farinha de Nazaré, não tem gosto de sarapatél”.

Mercado Modêlo, Alfândega e Elevador Lacerda.
Vistos da Ladeira da Montanha em 1948. 

Mercado Modêlo e a Rampa dos Saveiros.

Saveiros na Rampa do Mercado - 1950.
Incêndios no Mercado Modelo    
     Desde sua inauguração o antigo prédio do mercado sofreu quatro incêndios. O primeiro ocorreu em 1917, cinco anos após o início do seu funcionamento,  e talvez tenha sido apenas um princípio de incêndio, sem maiores proporções ou prejuízos. O segundo teve início na madrugada do dia 7 de janeiro de 1922 e causou prejuízos de grande monta aos seus comerciantes e segundo dizem, teria sido um ato criminoso. Em sua restauração, por causa da pintura em cor verde que recebeu, foi apelidado pelo povo de “tartaruga verde”. Anos mais tarde, enquanto na Europa o mundo estava em guerra, em 28 de fevereiro de 1943, mais uma vez o fogo trouxe pavor para aqueles que dependiam do comércio no mercado, parcialmente destruído por um grande incêndio, novamente passa por mais uma restauração.

Visita da Realeza Britânica ao Mercado
     Em novembro de 1968 o velho Mercado é devidamente preparado para receber aquela que seria a última visita de uma figura ilustre. A Rainha Elizabeth II em visita ao Brasil vem até a Bahia e dentre outros pontos da Cidade do Salvador é levada pelo então governador Luiz Viana Fº em um belo Rolls Royce, a visitar aquele importante ponto turístico.

O Gov. Luiz Viana Filho protege a Rainha da Inglaterra contta o sol da Bahia
novembro de 1968.

Depois de visitar o Mercado Modêlo a Rainha sobe a Ladeira da Montanha.
(foto de Marcos Nogueira - original em slide)

O “tiro de misericórdia” no Mercado Modelo    
    Foi em meados do ano seguinte, mais precisamente na manhã do dia 1º de agosto de 1969, que o Mercado Modelo original sofreria seu definitivo “ataque”, considerado o mais grave de sua história, a ponto de inviabilizar a reconstrução do primitivo imóvel, cujos escombros necessitaram ser demolidos visando a segurança pública (i.l.)”, segundo alguns registros e versões oficiais.
     Ocorre que em pleno Regime Militar, dois anos antes, em fevereiro de 1967, Antonio Carlos Magalhães havia sido nomeado Prefeito da Capital baiana. Sua administração foi marcada por radicais mudanças em todos os aspectos da cidade, principalmente no que se refere ao sistema viário. Novas avenidas são abertas, ruas são asfaltadas e outras pavimentadas. A cidade se expande em todas as direções, mas a região central passa a ser o alvo principal dessas mudanças. A melhoria da ligação entre os dois níveis da cidade, privilegiando o automóvel, exige intervenções drásticas e quando ocorre o fatídico  e oportuno sinistro, opta-se pela demolição total do que restara do prédio “visando a segurança pública”, embora sua estrutura externa original se mantivesse totalmente pronta para receber nova e até mais moderna restauração interna, sem nenhum risco para os transeuntes e mantidas o estilo arquitetônico original de suas belas e imponentes fachadas, que quase nada sofreram.

Incêndio do Mercado Modêlo - 1º de agôsto de 1969.
(foto-Fundação Gregório de Matos)

Início do combate ao fogo, paredes em pé.
(foto Marcos Nogueira - original em slide)

Fumaça branca, chamas contidas - Mercado em pé.
(foto Marcos Nogueira - original em slide)

A imponente entrada principal - sem nenhum dano.
(foto Marcos Nogueira - original em slide)

Internamente, apenas o telhado ruiu.
(foto Marcos Nogueira - original em slide)

Após o incêndio as paredes externas permaneceram sem maiores danos.
Mesmo assim o velho Mercado não foi poupado em nome do "progresso" e a Cidade do Salvador
perdeu aquele precioso monumento - (foto Marcos Nogueira - original em slide)

     Com essa decisão desaparece para sempre o velho Mercado Modelo para dar lugar à ligação da Av. da França com a Av. Lafayete Coutinho, popular Avenida do Contôrno, passando exatamente sobre a área em que ele estava, inegável benefício para a circulação de veículos, mas lastimável perda de um monumento histórico para a Cidade do Salvador e gerações futuras.

E assim a cidade ganhou uma ligação entre avenidas e um chafariz. A Rampa do Mercado
permaneceu, mas...
(foto Marcos Nogueira - desde o mirante em 2010)

5 comentários:

  1. grande reportagem, marulino, digno dos melhores jornalistas do brasil. parabéns e continue assim, nos presenteando com essas jóis literárias de sua autoria. muito bom mesmo. um grande abraço

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  2. Meus parabéns, materia digna de respeito.

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    1. Então quer dizer que "a casa Feliz" era você Paulo Costa? kkkkkk

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  3. Confesso que, antes de ler essa reportagem, eu dizia muita bobagem para os turistas...

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  4. Muitos monumentos da Bahia foram destruídos pela falta de sensibilidade artística e estética de políticos e de empresários locais...

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